quinta-feira, 3 de junho de 2010

Do livro, pelo menos a leitura


Sou um leitor tardio, quero dizer, o meu contato com os livros começou nos meus quinze anos, relativamente tarde, mas não tarde demais. Os livros sempre me chamaram atenção. Menos os livros didáticos, não consigo considerá-los como livros, para mim são mesmo cartilhonas. Não oferecem nenhum chamariz sobre as coisas do mundo que possa mexer com os nossos sentimentos. A única coisa que me lembro de uma dessas cartilhas é o texto “o menino barrigudo”. Mas especificamente do trecho em que um cavaleiro vai passando e pergunta: - menino, essa estrada vai para onde? Audaciosamente ele responde: - ela não vai a lugar nenhum, nós é que vamos nela.

Só hoje consigo saber por que isso permanece em minha memória. A coragem, a audácia de o mais fraco sempre dizer para o mais forte que ele também é fraco, ou que o aparentemente mais fraco também é forte e com isso enfraquecer o que se acha superior. Reporto ao contato mais recente que tive com uma das peças de Brecht, o mendigo ou o cachorro morto. Ali o mendigo tem a audácia de dizer para o imperador, quando interrogado por este sobre a opinião que tem sobre ele, no ato responde: -não existe imperador. Só o povo pensa que existe um, e só um único homem pensa que é imperador. Num trecho mais adiante, o imperador ao dizer que domina os homens e que por isso eles te respeitam, o mendigo responde: - a rédea também pensa que domina o cavalo, o bico da andorinha pensa que orienta o seu vôo e a ponta da palmeira pensa que arrasta a árvore em direção ao céu!

São também essas identificações que encontramos nos livros que nos fazem sempre querer ler mais e mais. Identificações encontradas nos atos e personalidades que gostaríamos de pelo menos imitar, mas que estão bem distante de nós, só estão presentes dentro de nós, em nossas mentes.

Mas além dessas identificações, alguns livros nos proporcionam vivências, sentimentos, fantasias, viagens inconcebíveis de outra forma. E esses experimentos que determinadas leituras nos proporcionam é que são importantes, pois são elas que vão moldando nosso ser, nossa forma de ver o mundo, nossa forma de agir no mundo e com o mundo.

Eu, particularmente, tem algumas obras que marcaram, e marcam, diga-se de passagem, a minha vida. Sem tê-las lido, certamente não estaria escrevendo este texto.

A primeira foi a guerra do fim do mundo, de Mário Vargas Llosa. Se a leitora ou leitor já teve oportunidade de lê-lo sabe que é uma das grandes obras literárias que fala da guerra de Canudos e da saga de Antonio Conselheiro. Por vários motivos este livro me marcou. Primeiro pelo assunto que aborda. Segundo, por ter sido o primeiro livro que li por completo, e esta foi uma grande façanha, pois ele é composto de 553 páginas. Para um incipiente leitor é uma enormidade. Tanto é que demorei um ano para terminá-lo. Valeu muito a empreitada. Depois dele, livros de 200 páginas não era mais bicho de sete cabeças, alem disso o interesse por conhecimento e pelas viagens tornavam as leituras cada vez mais freqüentes.

Livros são obras de arte. Para mim um livro pode causar transformações, para outro pode não dizer nada, e vice-versa. Cada ponto de vista, é a vista de um ponto.

Assim continuou minha caminhada no mundo da leitura. Nela me apareceu Contos, de Machado de Assis. Ali encontrei a missa do galo e a cartomante. Depois de tê-los lido fiquei num estado de tal impressão que tive que sentar por um tempo encostado na cama e ficar pensando naqueles contos. Como diz o senso comum, pensei que fosse enlouquecer. O pior é que enlouqueci mesmo, hoje estou mordendo cachorro louco, só para lê mais um livro.

Nessa caminhada débil leio muita coisa boa, medianas e ruins. É necessário ler de tudo um pouco, pois precisamos ser críticos, mas precisamos ser responsável ao criticar e para isso é necessário conhecer. Então me aparece mais um livro marcante: Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. Leio e acabo descobrindo que as coisas no mundo não eram como diziam e como eu pensava que era. Percebo que ele tem uma rachadura enorme. De um lado está a minoria que possui bens e poder, do outro estamos nós, com nossa mão-de-obra para vender para o outro lado.

Aí encontro alguns livros de Karl Marx, leio e descubro que essa separação chama-se luta de classes e que eu pertenço a classe que vem perdendo desde algum tempo, está sempre sendo explorada, que é a classe trabalhadora. Só que ao contrário de um jogo, eu não devo tentar ir para o outro time, mais sim fortalecer o que eu pertenço.

Assim continua minhas leituras: livros bons, medianos e ruins. Encontro As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. Descubro que tudo que havia escutado e lido até ali sobre a descoberta da América era uma farsa. Nunca existiu descoberta, mas sim invasão, espoliação, massacre e colonização, esta é a realidade.

É clarividente que livro bom não precisa tratar especificamente de um assunto para ser tratado como tal. Tenho a impressão que alguns escritores podem escrever sobre qualquer coisa, que farão uma grande obra. Mas reconheço que é só impressão. Algumas obras exigem tanto estudo, tanta pesquisa, que torna quase impossível para a maioria dos seres humanos. Assim, por exemplo, são os trabalhos de Marx.

Outros não exigem tão dispendioso trabalho, mas além de requererem certa bagagem de conhecimento, precisa do arranjo criativo do autor. Assim é Machado de Assis e Oscar Wilde. Deste li O retrato de Dorian Gray. Sinceramente, por mais de uma semana não consegui lê outra coisa, de tão impressionado que fiquei ao terminar a leitura. Pensava tanto no personagem que transferiu seu envelhecimento para seu retrato (ele não envelhecia, mas sim seu retrato escondido no porão), quanto na capacidade do autor de ter feito uma obra tão espetacular como aquela, criado história tão impressionante.

Tardiamente chegou a minha mão A metamorfose, de Franz Kafka. Digo tardiamente porque chegando ao trigésimo aniversário é um tanto perigoso. Pode ser que a maldição de Gregor (personagem que acorda transformado num horrível inseto), comece a se espalhar também para os leitores. Já pensou, eu com dois filhos para criar e sem ter como? Porque me transformei num inseto?

Não me transformei em inseto, mas...infelizmente, não saí ileso. Depois de tanto morder cachorro louco e lê livros, comei a delirar. Aí já sabe...comecei a escrever. É loucura, meu amigo e minha amiga! Muita loucura!

Luiz Adão, aprendiz. Bom Jesus da Lapa-BA
14/10/2009, 00h49min

Nenhum comentário:

Postar um comentário